O ex-presidente Jair Bolsonaro foi denunciado criminalmente nesta terça-feira (18/2) pela Procuradoria-Geral da República (PGR), acusado de ter liderado um suposto plano de golpe de Estado após ter perdido a eleição de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Agora, a Primeira Turma do Superior Tribunal Federal (STF), formada por cinco membros da corte, vai analisar se aceita a denúncia e abre um processo contra o ex-presidente — mas não há um prazo para essa decisão.
Integram essa Turma os ministros Alexandre de Moraes (relator do caso), Cármen Lúcia, Luiz Fux, Cristiano Zanin e Flávio Dino.
A PGR pede que Bolsonaro responda pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Outras 33 pessoas foram denunciadas com ele, incluindo seu ex-ministro da Casa Civil, general Braga Netto, que concorreu a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022.
A defesa de Braga Netto classificou a denúncia de "fantasiosa" e reclamou de violações de direitos nas investigações.
STF já condenou dezenas por invasão dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023
Ele é acusado de ser um dos integrantes do "núcleo crucial da organização criminosa", de onde teriam partido decisões e ações do plano golpista.
Também estão na lista de denunciados o general Augusto Heleno (ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional) e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, que fez um acordo de delação premiada (veja lista completa mais abaixo).
A denúncia da PGR ocorre quase quatro meses após Bolsonaro ter sido indiciado criminalmente pela Polícia Federal (PF), que apontou o ex-presidente como líder da suposta trama golpista.
O texto acusa Bolsonaro de comandar uma estrutura hierárquica com militares, policiais e aliados para impedir a transição de poder após as eleições de 2022, vencidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para o procurador-geral Paulo Gonet, Bolsonaro integrou o "núcleo crucial" que agiu em várias frentes desde 2021 para tentar executar o plano de ruptura, desde a fazer discursos públicos para descreditar o sistema eleitoral até atuar diretamente fazendo suposta pressão sobre o Alto Comando das Forças Armadas para apoiar um decreto de cunho golpista - a chamada "minuta do golpe".
Gonet cita ainda na denúncia movimentos para tentar atrapalhar o andamento da eleição, citando os bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no dia da eleição em 2022, em especial em regiões com eleitores favoráveis ao adversário Lula.
"Aqui se relatam fatos protagonizados por um presidente da República que forma com outros personagens civis e militares organização criminosa estruturada para impedir que o resultado da vontade popular expressa nas eleições presidenciais de 2022 fosse cumprida", afirma Gonet.
"Ambos [Bolsonaro e Braga Netto] aceitaram, estimularam, e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra o bem jurídico da existência e independência dos Poderes e do Estado de Direito democrático", segue o PGR
A denúncia entregue ao STF também acusa o ex-presidente de "omissão" nos ataques de 8 de janeiro de 2023, quando um grupo de apoiadores bolsonaristas radicalizados atacaram as sedes dos Poderes em Brasília.
O texto qualifica os ataques como uma "tentativa derradeira de consumação do golpe" e afirma que a ruptura democrática só não aconteceu por resistência de parte dos generais do Exército.
Ex-ministro da Casa Civil e vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022, Braga Netto também está entre os denunciados pela PGR nesta terça-feira (18/02)
Bolsonaro nega que tenha planejado um golpe de Estado
Em manifestação enviada à imprensa, o ex-presidente disse que "jamais compactuou" com qualquer movimento que visasse um golpe de Estado e que a acusação não apresenta nenhuma mensagem enviada que o incrimine.
A defesa de Bolsonaro disse ainda que a denúncia é "inepta" e contraditória e baseada apenas na delação de Mauro Cid, seu ex-braço direito. "[Trata-se de] um delator que questiona a sua própria voluntariedade. Não por acaso ele mudou sua versão por inúmeras vezes para construir uma narrativa fantasiosa", diz a nota.
O texto diz ainda que o ex-presidente "confia na Justiça e, portanto, acredita que essa denúncia não prevalecerá."
Mais cedo nesta terça, antes da decisão da PGR, o ex-presidente havia afirmado a jornalistas que tinha "zero preocupação" com a denúncia.
"Você já viu a minuta de golpe? Não viu. Eu também não vi. Já viu a delação do [Mauro] Cid? Você não viu, eu também não vi. Estou aguardando", disse Bolsonaro, referindo-se a algumas das acusações que recaem sobre ele.
A defesa de Bolsonaro nega que ele tenha cometido qualquer crime.
Com a apresentação da denúncia, o relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, abre 15 dias de prazo para os advogados dos denunciados apresentarem defesa prévia e possíveis contestações.
Em caso de contestação a trechos da denúncia, a PGR terá cinco dias para responder aos questionamentos.
Depois disso, Moraes vai avaliar a acusação e os argumentos da defesa para produzir seu voto, definindo se aceita ou não a abertura de um processo contra Bolsonaro e os demais denunciados. Não há prazo para essa decisão.
Ele, então, libera o caso para ser marcado o julgamento na Primeira Turma. Se a maioria do colegiado aceitar a denúncia, haverá o início de um processo criminal contra os acusados, que se tornam formalmente réus.
A partir deste momento, os réus têm acesso aos detalhes da investigação e têm a oportunidade de apresentar sua defesa à Justiça durante a instrução processual.
Quando isso for concluído, são feitas as alegações finais da acusação e da defesa para que a Primeira Turma possa decidir se condena ou não os acusados.
Normalmente em um processo criminal, o réu, caso seja condenado, tem direito a recorrer à segunda instância da Justiça, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, em alguns casos, ao STF.
No entanto, o processo em questão já correria direto no Supremo e, embora os réus possam apresentar recursos, não há possibilidade de recorrer a uma instância superior, pois o STF já é a mais alta instância da Justiça brasileira.
Embora Bolsonaro não tenha mais foro privilegiado após deixar o cargo de presidente, o caso tramitou no STF porque a maioria da Corte entende que investigações relacionadas a ataques às instituições democráticas, como o caso dos atos de 8 de janeiro de 2023, devem ser julgados no Supremo.
As informações foram publicadas primeiro pela BBC News Brasil